Proudhon – Do Princípio Federativo - Capítulo II



Capitulo II

Concepção a Priori da Ordem Política: Regime de Autoridade, Regime de Liberdade

Conhecemos os dois princípios fundamentais e antitético de tofos os governos: autoridade. Liberdade.

Em virtude da tendencia do espírito humano a reduzir todas as suas ideias a um principio único, começando por eliminar as que lhe parecem inconciliáveis com este principio, deduzem-se dois regimes diferentes, a priori, destas duas noções primordiais, segundo a preferencia ou a predileção acordadas a uma ou a outra: o regime de autoridade e o regime de liberdade.

Além disso, sendo a sociedade composta de indivíduos, e podendo a relação do indivíduo ao grupo conceber-se, do ponto de vista político, de quatro maneiras diferentes, daí resultam quatro formas governamentais, duas para cada regime

  1. Regime de Autoridade

A) Governo de todos por um só; Monarquia ou Patriarcado;
a) Governo de todos por todos; – Panarquia ou Comunismo.
O caráter essencial deste regime, nas suas duas formas, é a indivisão do poder.

  1. Regime de Liberdade

B) Governo de todos por cada um; --Democracia;
b) Governo de cada um por cada um; --Anarquia ou Self-Government *.
O caráter essencial deste regime, nas suas duas formas, é a divisão do poder.

Nada mais, nada menos. Esta classificação dada a priori pele natureza das coisas e pela dedução do espírito é matemático. Em quanto que a política é suposta resultar de uma construção silegística, como a consideraram naturalmente todos os antigos legisladores, não pode ficar aquém dela nem ir além. É notável este simplismo: mestra-nos desde a origem, e sob todos os regimes, o chefe do Estado esforçando-se por deduzir as suas constituições de um único elemento. A lógica e a boa fé são primordiais em política: ora, aí reside precisamente a armadilha.

Observações:

  1. Sabemos como se estabelece o governo monárquico, expressão primitiva do princípio da autoridade. Os Sr. De Bonald explica-no-lo: é pela autoridade paternal. A família é o embrião da monarquia. Os primeiros Estados foram geralmente as famílias ou tribos governadas pelo seu chefe natural, marido, pai, patriarca, e finalmente rei.
    Sob este regime, o desenvolvimento do Estado efetuava-se de duas formas:
    1º pela geração ou multiplicação natural da família, tribo ou raça;
    2º por adoção, quer dizer, pela incorporação voluntária ou forçada das famílias e tribos circunvizinhas, mas da maneira que as tribos reunidas se tornassem com a tribo mãe uma só família, uma mesma domesticidade. Este desenvolvimento do estado monárquico pode atingir enormes proporções, indo até às centenas de milhões de homens, dispersos por centenas de milhares de léguas quadradas.
    A panarquia, pantocracia ou comunidade, forma-se naturalmente pela morte do monarca ou chefe da família e a declaração das pessoas, irmãos, filhos ou associados de continuarem indivisos, sem haver eleições de um novo chefe. Esta forma política é rara, mesmo se há exemplos, a autoridade é aí mais pesada e o individualismo mais oprimido que em nenhuma outra. Não foi adotada senão pelas associações religiosas, que, em todos os países e em todos os cultos, tendem à destruição da liberdade. Mas a ideia desta forma é-nos fornecida a priori, do mesmo modo que a ideia monárquica; ela encontrará a sua aplicação nos governos de fato, e devíamos mencioná-la pelo menos para memória.
    Assim a monarquia, fundada naturalmente, justificada em consequência pela sua ideia, tem a sua legitimidade, e a sua moralidade assim é também para o comunismo. Mas veremos dentro em pouco que estas duas variantes do mesmo regime não podem, não obstante os seus dados concretos e a sua dedução racional, manter-se no rigor do seu princípio e na pureza da sua essência, que estão condenadas consequentemente a conservarem-se sempre no estado hipotético. De fato, não obstante a sua origem patriarcal, o seu temperamento afável, a suas afetação de absolutismo e de direito divino, a monarquia e a comunidade, conservando no seu desenvolvimento a sinceridade do tipo, não se encontram em parte alguma.
  2. Como se estabelece, por seu lado, o governo democrático, expressão espontânea do princípio de liberdade? Jean-Jacques Rousseau a a Revolução ensinaram-no-lo: pela convenção. Aqui a fisiologia não existe: o Estado aparece como o produto, não da natureza orgânica, da carne, mas da natureza inteligível, que é o espírito.
    Sob este outro regime, o desenvolvimento do Estado tem lugar por acessão ou adesão livre. Do mesmo modo que os cidadãos se presume terem todos assinado o contrato, o estrangeiro que entra na cidade é considerado como tendo por sua vez aderido a ele: é sob esta condição que ele obtém os direitos e as prerrogativas de cidadão. Se o Estado tem de suportar uma guerra e se torna conquistador, é levado pelo seu princípio a conceder às populações conquistadas os mesmos direitos dos quais gozam os seus próprios nacionais: é o que se chama isonomia. Tal era entre os romanos a concessão do direito de cidade. As próprias crianças pressupõe-se, quando atingem a maioridade, terem jurado o pacto; não é por serem filhos de cidadãos que se tornam por sua vez cidadãos também, como na monarquia os filhos dos súditos são súditos por nascimento, ou como nas comunidades de Licurgo e Platão eram propriedade do Estado: para ser membro de uma democracia, é preciso, por direito, independentemente na qualidade de ingênuo, ter feito escolha do sistema liberal.
    A mesma coisa acontece na acessão de uma família, de uma cidade, de uma província: é sempre a liberdade que é o princípio e que lhe fornece os motivos.
    Deste modo, ao desenvolvimento do Estado autoritário, patriarcal, monárquico ou comunista, opõe-se o desenvolvimento do Estado liberal, contratual e democrático. E como não há limite natural à extensão da monarquia, o que em todos os tempos e em todos os povos tem sugerido a ideia de uma monarquia universal ou messiânica, também não há tão pouco limite natural à extensão do Estado democrático, o que sugere igualdade a ideia de uma democracia ou república universal.
    Como variante do regime liberal, assinalei a ANARQUIA ou governo de cada um por si próprio, em inglês self-government. Como a expressão de governo anárquico implica uma espécie de contradição, a coisa parece impossível e a ideia absurda. Não há no entanto que retomar aqui senão a linguagem: a noção de anarquia, em política, é tão racional e positiva como qualquer outra. Consiste em que, reduzida as funções políticas às funções industriais, a ordem social resultaria da simples existência de transações e trocas. Todos poderiam então dizer-se autocratas de si próprio, o que é extremo oposto do absolutismo monárquico.
    Do mesmo modo, ou mais, que a monarquia e o comunismo, fundados na natureza e na razão, têm a sua legitimidade e a sua moralidade, sem que nunca possam realizar-se no rigor e na pureza da sua noção; assim, a democracia e a anarquia, fundadas na liberdade e no direito, prosseguindo um ideal relacionado com o seu princípio, tem a sua legitimidade e a sua moralidade. Mas veremos também que, a despeito da sua origem jurídica e racionalista, elas não podem, na mesma forma, quando crescem em população e território, manter-se no rigor e na pureza de sua noção, e estão condenadas a ficar no estado de desiderata perpétuos. Apesar do atrativo poderoso da liberdade, nem a democracia nem a anarquia, na sua plenitude e na integralidade da sua ideia, se constituíram em algum lugar**