Dualismo Político – Autonomia e Liberdade: Oposição e Conexão destas duas Noções
Antes de dizer o que se entende por federação, convém relembrar em poucas páginas a origem e a filiação desta ideia. A teoria do sistema federativo é inteiramente nova: creio mesmo poder afirmar que ainda não foi apresentada por ninguém. Esta, contudo, intimamente ligada à teoria geral dos governos, mais precisamente, é a sua conclusão necessária.
Entre tantas constituições que a filosofia propõe e que a história mostra na prática, só uma reúne as condições de justiça, ordem, liberdade e de duração sem as quais a sociedade e o indivíduo não podem viver. A verdade é única como a natureza: seria estranho que fosse de outro modo para o espírito e para a sua obra mais grandiosa, a sociedade. Todos os jornalistas admitiram esta unidade da legislação humana, e, sem negar a variedade de aplicações reclamada pela diferença de tempos e lugares e a natureza própria de cada nação; sem desconhecer o lugar próprio, que em todo o sistema político deve ser concedido à liberdade, todos se esforçaram para adaptar as suas doutrinas a ela. Tento mostrar que esta constituição única, cujo reconhecimento será o maior esforço de razão dos povos, não é outra senão o sistema federativo. Toda a forma de governo que se afaste dele deve ser considerado como uma criação empírica, esboço provisório, mais ou menos cômodo, sob o qual a sociedade se abriga um instante, e que, semelhante à tenda do Árabe, desaparece de manha depois de ter sido montada à noite. Uma análise rigorosa é pois aqui indispensável, e a primeira verdade que é importante que o leitor fique convicto com essa leitura, é a de que a política, infinitamente variável como arte de aplicação, é, quanto aos princípios que a regem, uma ciência de demonstração exata, nem mais nem menos que a geometria ou a álgebra.
A ordem política repousa fundamentalmente em dois princípios contrários, a AUTORIDADE e a Liberdade: o primeiro iniciador, o segundo determinante; este tendo por corolário a liberdade de pensamento, aquele a fé que obedece.
Contra esta primeira proposição, não penso que uma só voz se possa levantar. A Autoridade e a Liberdade são tão antigas como a raça humana: nascem conosco, e perpetuam-se em cada um de nós. Notemos apenas uma coisa, a que poucos leitores atentaram: estes dois princípios formam, por assim dizer, um par cujos termos, indissoluvelmente ligados um ao outro, são contudo irredutíveis um ao outro e permanecem, independentemente do que façamos, em luta perpétua. A Autoridade supõe necessariamente uma Liberdade que a reconheça ou a negue; a liberdade por seu lado, no sentido político do termo, supõe igualmente uma autoridade que lide com ela, a reprima ou a tolere. Suprima-se uma das duas, a outra não faz mais sentido: a autoridade, sem uma liberdade que discuta, resista ou se submeta, é uma palavra vã; a liberdade, sem uma autoridade que a equilibre, é um contra-senso.
O princípio de autoridade, princípio familiar, patriarcal, magistral, monárquico, teocrático, tendente à hierarquia, à centralização, à absorção, é dado pela natureza, por conseguinte, essencialmente fatal ou divino, como quisermos. A sua ação, combatida, dificultada pelo princípio contrário, pode indefinidamente ampliar-se ou restringir-se, mas sem nunca poder desaparecer.
O princípio de liberdade, pessoal, individualista crítico; agente de divisão, eleição, transação, é dado pelo espírito. Princípio essencialmente arbitral por consequência, superior à Natureza da qual se serve, ao destino que domina; ilimitado nas suas aspirações; suscetível, como o seu oposto, de extensão e de restrição, mas também do mesmo modo que ele incapaz de se esgotar pelo desenvolvimento, como de desaparecer pela derrota.
Surge daí que em toda a sociedade, mesmo a mais autoritária, uma parte é necessariamente deixada à liberdade; igualmente em toda a sociedade, mesmo a mais liberal, uma parte é reservada à autoridade. Esta condição é absoluta; nenhuma combinação política se lhe pode eximir. A despeito do entendimento cujo esforço leva incessantemente a resolver a diversidade na unidade, os dois princípios continuam presentes e sempre em oposição. O movimento político resulta da sua tendência inelutável e da sua mútua reação.
Tudo isto, confesso-o, não tem talvez nada de novo, e mais de um leitor me perguntará se é tudo o que tenho para lhe ensinar. Ninguém nega nem a Natureza nem o Espírito, mesmo com a obscuridade que os possa envolver; não há um só jornalista que se pronuncie contra a Autoridade ou a Liberdade, mesmo se a sua conciliação, a sua separação e eliminação parecem igualmente impossível. Onde quero então chegar, debatendo este lugar comum?
Vou dizê-lo: é que toda as constituições políticas, todo os sistemas de governo, incluindo o federalismo, podem resumir-se a esta fórmula, o Equilíbrio da autoridade pela liberdade e vice-versa; é devido a isso que as categorias adotadas desde Aristóteles pela imensidão dos autores e com a ajuda dos quais os governos se classificam, os Estados se diferenciam, as nações se distinguem, monarquia, aristocracia, democracia etc., neste caso exceto o federalismo, reduzem-se a construção hipotéticas, empíricas, nas quais a razão e a justiça não obtêm senão uma satisfação imperfeita: é que todos estes estabelecimentos, fundados sobre as mesmas coordenadas incompletas, diferentes somente pelos interesses, os pressupostos, a rotina, no fundo assemelham-se e equivalem-se; é que deste modo se não fosse o mal-estar causado pela aplicação desses falsos sistemas, e cuja paixões irritadas, interesses ofendidos, amores próprios decepcionados se acusam mutuamente, nós estaríamos quanto ao essencial das coisas, muito próximo de um entendimento; por último, que todas estas divisões de partidos entre as quais a nossa imaginação cava abismos, todas estas divergências de opinião que nos parecem insolúveis, todos estes antagonismos de sorte que nos parecem sem remédio, encontrariam de repente a sua equação definitiva na teoria do governo federativo.
Quantas coisas, direis vós, em uma oposição gramatical: AUTORIDADE-Liberdade!..._Pois bem! Sim. Reparei que as inteligências comuns, que as crianças apreendem melhor a verdade transportada para uma fórmula abstrata do que desenvolvida em uma volume de dissertações e de fatos. Quis ao mesmo tempo resumir este estudo para aqueles que não podem ler livros, e torná-lo mais peremptório trabalhando com noções simples. AUTORIDADE, Liberdade, duas ideias opostas opostas uma à outra, condenadas a viver em luta ou a desaparecer juntas: eis algo certamente que é difícil. Tenha tão a paciência de ler, leitor amigo, e se compreendeu este primeiro e curto capítulo, depois ma dirá o seu parecer*.
Nota:
* Proudhon formula neste primeiro capítulo uma antinomia cuja existência é indubitável. Não procura uma síntese para resolve-la à boa maneira da tricolomia hegeliana, mas tão só equilibrá-la, contrapesar os dois termos antitéticos. Como se verá, não obstante, chegará pelos dois caminhos ao mesmo ponto, ao contrato, solução que já havia apresentado na obra 1851, Idée Générale de la Révolution dans le XIX siècle. (N. Do T.)
Proudhon – Do Princípio Federativo PDF