A Hora E A Vez Da Maconha Nos EUA


Para alegria de muitos a Cannabis sativa, plantada e vendida legalmente, viceja em solo fértil americano, adubada pelas perspectivas de lucro nos Estados de Washington e Colorado.

Em um dia, US$ 40 mil em vendas e uma centena de clientes voltando para casa de mãos vazias por falta de estoque. Multiplique essa euforia por 300 — o número de empresários na mesma situação só no Estado americano do Colorado — e você terá uma ideia das razões de a maconha ter se tornado o barato do momento nos Estados Unidos.

Desde 1º de janeiro, não há diferença legal entre comprar maconha e bebida alcóolica no Estado de 5,1 milhões de habitantes, conhecido pelos picos nevados e estações de esqui. A única exigência a ser preenchida pelo consumidor interessado em adquirir a erva é comprovar idade igual ou superior a 21 anos. E essa decisão emergiu das urnas — uma distinção em relação ao Uruguai, onde o Congresso legalizou a droga depois de instigado pelo presidente José Mujica —, com um plebiscito realizado durante as eleições presidenciais de 2012.

Após a votação, os moradores passaram a ter o direito de cultivar em casa até seis pés de Cannabis sativa, três em floração, e de sair com 28 gramas no bolso, desde que não peguem no volante nem fumem em lugares públicos. Agora, seguindo o cronograma, é possível comprar a mesma quantidade.

Apesar de polêmica, essa transformação não ocorreu da noite para o dia. Há mais de uma década, o Colorado permite os chamados "dispensários de maconha", espécie de farmácias especializadas na erva, onde pacientes de glaucoma e câncer ou até acometidos de enxaqueca podem comprar folhas, sementes, flores e derivados com prescrição médica. E não se trata de um fenômeno localizado. Na quarta-feira, Nova York tornou-se o 21º Estado a permitir a venda para aliviar sintomas de certas doenças.

Em 2011, o jornal The Daily constatou que existem mais "dispensários de maconha" do que cafés da franquia Starbucks em Denver, capital do Colorado, com 630 mil habitantes. Agora, são essas mais de 300 "farmácias" que recebem autorização para a venda aberta — experiência inédita, com exceção de Amsterdã, na Holanda, que permite a compra e o consumo em locais especiais.

Em maio ou junho, essa também será a realidade do Estado de Washington, no noroeste. Lei semelhante à do Colorado foi aprovada em 2012 pelos eleitores, mas o licenciamento comercial deve ser concluído até junho.

Na prática, a oferta para uso medicinal e a naturalidade com que se compra maconha nos EUA — os adolescentes dizem ser mais fácil obter a erva do que álcool —, associada a um poderoso e crescente lobby financiado por magnatas como George Soros, vem mudando a cabeça dos americanos. E 2013 foi um marco: pesquisa do instituto Gallup apontou em outubro que 58% dos entrevistados são favoráveis à legalização. Outra, do Instituto Nacional sobre o Abuso de Drogas, mostrou que o percentual de estudantes do Ensino Médio que consideram a droga prejudicial caiu de 44,1% para 39,5% em 12 meses.

A proprietária da loja 3D Cannabis, Toni Fox, primeira a abrir as portas em Denver, faz cálculos como se tivesse acertado na loteria. Acostumada a vender US$ 1 mil ao dia em porções medicinais, logo na estreia lucrou 40 vezes mais. Ela imagina que, com o aumento da oferta, a euforia dê lugar a jornadas serenas, sem filas, mas prevê movimentar

US$ 300 mil ao mês e prepara investimentos de US$ 2 milhões na duplicação da estufa — uma atração na loja, com janelas que permitem observar as plantas sob luz amarelada.

A indústria da maconha legal nos EUA já discute a profissionalização do setor. Em Oakland, na Califórnia, foi criada uma universidade que dá cursos voltados para maconha e cânhamo industrial, variedade com menos de 1% de THC (substância ativa que provoca alteração das funções cerebrais e pode causar dependência) e usada para confeccionar tecidos, papel e plástico. A tecnologia também leva a uma gama sofisticada de linhagens e métodos de processamento, com diferentes concentrações do THC.

Kayvan Khalatbari, também de Denver, vislumbrou na maconha uma atividade que está longe do estereótipo bicho-grilo. Comanda três empresas, uma delas de consultoria que presta assistência legal e técnica para clientes em 11 Estados, no Canadá e na Grã-Bretanha. Ele e o sócio, Ean Seeb, empregam 18 pessoas e contratam outras 10, uma vez ao mês, durante as colheitas. Os dois estão investindo US$ 2,5 milhões na compra de terreno para a construção de uma nova estufa para o dispensário Denver Relief, que deve ser licenciado até fevereiro. A terceira empresa processa maconha para infusões e derivados.

- A erva deixou de ser um tabu para se tornar uma questão de dinheiro, com arrecadação de impostos que pode chegar a quase 40% dependendo do município. É um setor que precisa de diretores, advogados, agrônomos, enfim, que tem um número massivo de empregos em potencial — afirma Khalatbari.

Os maiores obstáculos estão nas discrepâncias entre a permissão estadual e as leis federais, que consideram o dinheiro obtido com maconha fruto de atividade ilegal. Essas empresas não podem ter conta em banco — pelo menos não declarando a real atividade a que se dedicam.

— Há casos de bancos que já rejeitaram até o depósito de cédulas mantidas próximas à maconha, só pelo cheiro — conta o diretor de Comunicação do Washington State Liquor Control Board, Brian E. Smith, que projeta arrecadação de impostos de até US$ 2 bilhões em cinco anos no Estado de Washington.

A maior parte do valor, segundo ele, será destinada a campanhas, pesquisas e tratamento de usuários. Apesar do visível aumento na aceitação, no Colorado, 28 municípios permitem o uso — outros 84 decidiram proibir e 33 emitiram moratórias temporárias, retardando os efeitos da lei. Entre os reticentes está Colorado Springs, com 400 mil habitantes. Em Washington, três cidades proibiram e 20 lançaram moratória.

Os críticos, entre eles as associações médicas do país, veem no discurso entusiasmado sobre aumento de receita uma armadilha.

— Não haverá ganhos de longo prazo. Com o álcool, para cada dólar que se arrecada, gasta-se 10 em custos sociais, como tratamentos médicos e acidentes de trânsito. O mesmo irá ocorrer com a maconha — afirma o diretor do Drug Policy Institute, Kevin Sabet, assessor sênior da Casa Branca na Política Nacional de Controle às Drogas entre 2009 e 2011.